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Entrevista: Walter Andrade Parreira (Diário - 19/04/08)
Por que decidiu escrever um livro sobre a vida dos índios?
Convivi com um povo indígena na Amazônia em 1975 (há quase 33 anos, portanto), e foi uma experiência muito especial e arcante - eu a registrei à época e, no ano passado, ela tornou-se um livro, foi publicada. Era um povo indígena que eu desconhecia, eu não sabia da existência deles. Minha companheira - Francisca - e eu, fazíamos uma viagem chamada, à época, de "sem destino": por os pés na estrada e partir, deixar que a estrada nos levasse, sem marcar um ponto certo ou um destino para chegar. Sair, com pouco dinheiro nos bolsos, sem saber para onde e nem como ir. Apontamos nossa direção para o norte do país ea estrada acabou nos levando para a Amazônia. E lá, viajando pelo Rio Amazonas, conhecemos uma missionária que havia vivido com um povo indígena chamado "Munduruku" ou "os cortadores-de-cabeças". Ela nos contou histórias muito diferentes e muito bonitas sobre esse povo, sobre o seu modo de dviver e nós ficamos com muita vontade de conhecê-los, de conviver com eles e aprender com o seu modo de vida. Era muito difícil chegar lá, mas após uma série de tentativas, com muita paciência, muito esforço e luta, acabamos conseguindo. Conseguimos vaga em um aviào da FAB que, de tempos em tempos, percorria as aldeias indígenas e alcançamos a Missão religiosa que fica no território dis Munduruku, onde habitam cerca de 300 índios dis 11 mil espalhados num grande território que eles têm. Ficamos algum tempo na Missão e, depois, viajamos em uma pequena canoa, por dois dias, selva adentro em direção a uma aldeia onde vivia a família do Tawé, o tuxaua ou cacique dos Munduruku. Viajamos pelo rio Cururu, que é afluente do Tapajós, que, por sua vez, deságua no Amazonas. E foi lá, em uma pequena aldeia onde habitavam cerca de 80 pessoas, que pude conhecer mais de perto o modo de vida que relatei no livro.
Por quê "Cortadores-de-Cabeça"?
Porque os Munduruku têm ssa tradição em sua história. Eles eram - como são - um povo muito guerreiro, muito aguerrido, muito destemido e eles cortavam as cabeças daqueles que invadissem o seu território, decapitavam aqueles que entrassem em guerra com eles e que fossem abatidos. Eles desenvolveram uma substância na qual mergulhavam aquela cabeça cortada e essa substância mumificava a cabeça. Ela não se deteriorava, não se decompunha, murchava um pouco, mas as feições da pessoa decapitada se mantinham e eram preservadas por muito tempo, indefinidamente. Eles fincavam aquelas cabeças cortadas em paus ao redor da aldeia, de tal forma que eleas formavam uma espécie de um cinturão sobrenatural que, por sua vez, funcionava como uma proteção para que os invasores não voltassem mais. E funcionava: para os invasores, aquilo era algo da ordem do sobrenatural e eles, cheios de temores, não atacavam mais a aldeia. E somente os Munduruku desenvolveram essa "tecnologia" de mumificar as cabécas, outros povos não. Dessa forma, eles conseguiram evitar muitas invasões ao seu território, que é muito rico em diversos aspectos.
Quanto tempo gastou para escrever o livro?
Eu registrei, durante a viagem mesmo, em um bloco de papel, o que vivia com aquele povo indígena. O livro foi escrito, portanto, em 1975 e ficou guardado por esses mais de 30 anos porque eu havia me decidido por não publicá-lo. Aconteceu que, quando retornei da viagem e contava a história daquele povo, muitas pessoas sempre manifestavam o desejo de ir lá, de também conviver com eles. Mas, se de um lado eu havia vivido um encantamento muito pelo modo de vida deles, ao mesmo tempo eu vivia também uma sensação de incômodo e desconforto de estar ali junto deles, pois de alguma forma eu era um invasor, eu era uma pessoa de uma cultura diferente e não era para eu estar ali. Eles têm um modo de vida tão especial que qualquer presença estranha já significava um risco de alguma contaminação para o seu modo de viver. Decidi nAo publicar o livro para, digamos, não dar o "endereço" daquele povo, para evitar expô-los. No entanto, há três anós atrás, eu tive contato com um índio Munduruku, que havia vindo para a cidade, morava em São Paulo e que estava publicando a história de seu povo, contando seus mitos e suas tradições e ele já estava com muitos livros publicados. A partir daí, senti-me livre para publicar o meu livro. Procurei esse índio - seu nome é Daniel Munduruku - e submeti a ele os originais. Um ano depois desse contato, ele retornou-me o material, autorizando-me a publicá-lo e, enviando, inclusive, um texto para o prefácio do livro.
Quem é Tawé na história do livro?
Tawé, que é o título do livro, é o tuxaua ou cacique do povo Munduruku - tuxaua significa "chefe guerreiro". Esse povo tem cerca de 11 mil índios espalhados em 92 aldeias e seu território fica na divisa do Estado do Pará com Mato Grosso e Amazonas. Tawé significa "macaco-prego". Os Munduruku são divididos em duas linhagens - os filhos-do-sol e os filhos-da-lua. Essa é uma maneira ou uma estratégia que eles desenvolveram, ao longo de sua história, para evitarem casamentos consanguíneos, uma vez que eles moram em pequenas aldeias. Filhos-do-sol não se cam com filhas-do-sol, filhos-do-sol só se casam com filhas-da-lua e filhos-da-lua com filhasa-do-sol. Eles sabem quem é quem pelo nome. Tawé, por exemplo, significa macaco-prego, que tem uma pelagem mais escura, ele é um filho-do-sol. Ele casou-se com uma índia chamada Puxu, que é o nome de uma fruta clarinha, ela é uma filha-da-lua. É algo até bonito e
romântico: o filho-do-sol se casando com uma filha-da-lua, o sol e lua se encontrando.
Qual é a diferença da nossa cultura para a cultura deles?
A diferença da cultura deles em relação à nossa é manifestada de várias formas no modo de vida tão diferente que eles têm. Vou comentar alguns traços da vida dos Mundurukus que sào marcadamente diferentes do nosso modo de viver. Um deles é o fato de os Mundurukus viverem apenas para o dia de hoje, para o momento presente; outro está no fato de eles não terem propriedade privada dos meios de produção e nem sequer meios de acumular ou preservar alimentos. E esses dois dados estão entrelaçados. Comos eles vivem ou como eles produzem o seu alimento? Todos os dias eles têm que sair para caçar e para pescar, além de cuidar de alguma roça que tiverem plantado - todos os dias, faça sol ou faça chuva e sem direito a sábados, domingos ou feriados. Nós convivemos com eles no inverno amazônico - que significa seis meses de chuvas intensas e de frio - e presenciávamos, todos os dias, escruto ainda, de madrugada e com chuva intensa, com temporal e muito frio, eles, com seus corpos nus, pegarem suas canoas e viajarem para tentar conseguir o alimento daquele dia para seus filhos e para toda a aldeia. Eles buscavam sempre o alimento suficiente apenas para aquele dia. Eles não guardavam nada para o dia de amanhã, para eles o dia de amanhã é outro dia, não chegou e ainda não pode ser vivido - não há uma preocupação, ou seja, uma ocupação prévia em relação ao amanhã. E, quando retornavam da busca pelo alimento daquele dia, ao chegarem, eles colocavam tudo o que haviam obtido sobre uma mesa central da aldeia, partilhando tudo entre todos (mesmo entre aqueles que não haviam ido caçar) querendo significar, com esse gesto simbólico, que tudo o que se tem pertence a todo mundo, que ninguém tem coisa alguma, que tudo é de todos. Um traço muito bonito e forte de sua cultura é a solidariedade, a fraternidade, a partilha, é a ausência da propriedade ou da posse, do apego, do egoísmo.
Um outro dado bonito da cultura deles é a presença do sagrado em suas vidas. Todos os dias, antes de partirem para a caçada, eles fazem uma espécie de saudação, de um ritual, de uma oração na qual pedem licença aos espíritos que habitam os animais que serão abatidos para que permitam que aqueles animais se tornem o alimento para seus filhos. E, se eles precisam abater uma árvore para fazer uma canoa, eles fazem, antes, uma roda em torno da mesma e rezam para que o espírito que a habita os autorize a transformá-la naquilo que será um instrumento ou um meio de sobrevivência importante para eles. Dessa forma, tudo é sagrado para eles. Karu Sakaibô é o nome do Deus Munduruku e Ele está presente em tudo: em uma árvore, em um animal, em uma pedra, na floresta, nos rios, nas águas. Eles O enxergam em tudo. Dessa forma, eles têm uma reverência por tudo, tratam tudo com o maior amor, com o maior cuidado, porque sabem que Deus está presente em tudo o que eles vêem e em tudo o que eles tocam.
O fato de eles caçarem, pescarem e colherem apenas o que necessitam para o dia presente, o fato não guardarem ou não acumularem coisa alguma - se não acumulam o alimento, o que mais haveriam de acumular? - faz com que eles se tornem os grandes guardiões da floresta, dos animais, das árvores, da fauna e da flora, eis que eles jamais depredam, jamais abatem ou matam mais do que precisam para o dia presente. Eis uma pequena história que expressa bem esse modo de ser voltado somente para o dia de hoje: um índio e um não-índio estavam caçando e os dois se depararam com muitos jacarés à beira de um rio. O índio abateu um jacaré, enquanto outro jacaré, ao lado daquele que mantou, continuou quieto, nào fugiu, permaneceu ali e de uma forma muito fácil de também ser abatido, mas o índio não atirou sua flecha nele. O não-ínidio não entendeu e perguntou-lhe: "Você vai deixá-lo ir embora, não vai matar o outro? Está fácil matá-lo, ele está quieto, parado!!!" E o índio lhe respondeu: "Você come dois de uma vez?". Esse é um traço marcante da cultura deles, viver apenas o agora e não acumular coisa alguma. E isso tem um significado muito profundo na sua espiritualidade: eles confiam tanto na providência, confiam tanto na vida, que eles não se preocupam com o dia de amanhã. Eles t6em tal confiança em que a floresta vai lhes prover o que necessitarem no dia de amanhã que não fazem hoje para assegurar o dia seguinte.
Um outro fato revela bem a diferença entre a cultura deles e a nossa. Em um documento ou um relatório que li na Missão, havia o registro de um missionário que conviveu com os índios. Ele havia ido até eles para catequizá-los, para evangelizá-los, umbuido ainda da concepção tradicional de "catequizar" o selvagem, de levar o evangelho aos "ignorantes". Mas, quando se deparou com aquele modo de viver dos ínidos, com o cuidado que eles têm com os animais, com as árvores, com os rios, com a floresta, com as crianças, com o próximo; quando conheceu aquele modo de viver em que os índios consideram que tudo é sagrado; quando se deparou com o amor que eles têm por tudo, com a paz que vivem em suas aldeias e com o fato de viverem apenas para o dia presente, escreveu: "eu vim ensinar o evangelho para o índio, mas encontrei um povo que já vive o evangelho em seu cotidiano, que vive a palavra de Jesus de forma concreta no seu dia-a-dia, mesmo sem conhecer a palavra de Jesus. Eu não tenho nada a ensinar a eles, pois tenho o evangelho apenas ao nível da palavra, ao nível do discurso e tento vivê-lo, enquanto que eles o têm ao nível da prática, da vivência; integrado em suas vidas. E o têm de uma forma natural, eles não fazem força para serem assim. Eu não tenho nada para ensinar a eles, eu tenho sim, que aprender com eles". Essas sào algumas das diferenças entre a cultura deles e a nossa.
Algumas pessoas discriminam os índios, julgando-os como animais. Depois da história contada no livro, qual o seu ponto de vista sobre isso?
Como chamar um povo como esse de animal??? Um povo que é só amor, paz, cuidado, fraternidade, solidariedade... O que existe é uma ideologia, difundida em nosso meio, de criar uma imagem banal, vulgar, desprezível do índio, com o objetivo claro de desqualificá-lo, de descaracterizá-lo, para justificar a invasão de seus territórios e o seu extermínio ou sua aculturação. Se a nossa sociedade os considerar como animais, ou como - o que é muito comum - indolentes, preguiçosos, "selvagens", "ignorantes", estará justificada a invasão de suas terras e sua aculturação, ou até o seu extermínio. Porque eles serao vistos como um povo sem valor, eles serão vistos como inferiores. E essa imagem que se constrói deles em nossa cultura é uma lástima, é uma crueldade, é um absurdo. Além de um provo cuja cultura é fundamentada no amor, na solidariedade, na fraternidade e na partilha, eles são um povo muito trabalhador, eles trabalham muito, lutam demais para obter a sua sobrevivência, são o contráriodo estereótipo, da imagem distorcidade e ideológica de srem indolentes e preguiçosos. Com os instrumentos mais rudimentares - arco e flecha - e nas condições mais adversas possíveis, eles têm que conquistar o alimento dos seus filhos todos os duas, sem direito a sábados, domingos, feriados, etc. O que ocorre é que eles não aceitam, iso sim, trabalhar para um outro, para um patrão - na realidade eles não se adaptam e não se submetem ao modo capitalista de produção, não o aceitam porque não faz sentido para eles: eles não vivem qualquer processo de acumulação e a nossa sociedade se funda nessa lógica (produzir muito e guardar para se ter e para se desfrutar amanhã, no futuro). Como chamá-los de preguiçosos e indolentes? Se fossem, já teriam morrido há um tempo, não teriam sobrevivido. Como chamá-los de "selvagens", se eles podem nos ensinar uma solidariedade e uma fraternidade que não somos capazes em nossa cultura? Eles vivem um despojamento em relação à posse material e uma experiência de igualdade social que desconhecemos e que nos confronta fortemente com a nossa sociedade de desigualdade absurda e cruel.
O que você aprendeu com o livro e com os índios?
Entre outras coisas, aprendi que é possível uma experiência de amor, de fraternidade, de solidariedade e de partilha como marca e traço de uma cultura como um todo, não só de uma ou de outra pessoa. Todos nós conhecemos pessoas, grupos e instituições da nossa sociedade que vivem uma experiência de partilha e de solidariedade, mas nunca tinha me deparado com uma cultura que seja assim, com um povo, como um todo, que seja assim. Essa é uma marca distinta dos Munduruku. Eu aprendi com eles que isso é possível, eles sào uma referência a nos ensinar que isso é possível e que depende de nós, portanto, construirmos essa sociedade (eles sào o sonho socalista concretizado entre nós - na categorização marxista, eles vivem, na verdade, o comunismo primitivo).
Um outro dado muito bonito do seu modo de viver é que é um grande ensinamento para nossa cultura é a maneira como eles tratam as crianças. Eles jamais xingam, jamais agridem, jamais, levantam a mão contra uma criança, jamais cometem uma
violência contra elas, eles têm um respeito maravilhoso pelas crianças. E como contrapartida,
as crianças são de uma alegria e de uma felicidade espantosas.
A quantidade de índios diminuiu muito no Brasil. O que você acha da mudança cultural que eles estão vivendo?
É trágico, a população indígena diminuiu muito. Quando da chegada dos europeus, em 1500, tínhamos no Brasil, cerca de nove milhòes de indígenas e, se incluirmos a América do Sul como um todo, a América Central e do Norte, existiam, naquela época, cerca de 90 milhòes de índios nessa área, a chamada Ameríndia. Com 50 anos das invasões brancas, a população indígena caiu para 30 milhões, em função das guerras, das doenças trazidas pelos colonizadores, da escravidão, mais tratos, etc. No Brasil, dos nove milhõrd, o número de índios chegou a cair para cerca de 200 mil, mas hoje eles são 750 mil, revelando haver um processo significativo de recuperação da nossa população indígena. Mas de toda forma, tinhamos no Brasil em 1500, mais de 1200 povos indígenas, falando cerca de 1000 línguas - hoje temos 247 povos indígenas falando 180 línguas. Se considerarmos o tempo que leva um grupo social para se instituir como um povo e quanto tempo é necessário para um povo criar sua própria língua, poderemos ter melhor noção da tragédia que temos cometido. Que país no Mundo tem uma diversidade cultural e linguística como o Brasil? Crio que só a Índia. Das 1000 línguas originalmente faladas em nosso território em 1500, temos, hoje, cerca de 180. E cada uma daquelas 1000 línguas era realmente diferente das outras: as diferenças entre, por exemplo, a língua Munduruku e a língua Caiapó são como diferenças, por exemplo, entre a língua portuguesa e a japonesa. A diferença da língua Tupinambá para a Guarani é como, por exemplo, a diferença entre a língua francesa e a russa. Ou seja, são diferenças radicais. Tinhamos uma diversidade linguística fantástica, riquíssima.
Os índios sentem algum receio dos brancos?
É claro que eles têm que sentir. Olha o que fizemos e o que fazemos com eles! Especificamente a Amazônia está sob uma ameaça terrível. Além das madeireiras, das mineradoras, das grandes fazendas de criação de gado, está acontecendo uma expansão do agronegócio, da monocultura da soja e o risco de se fazer o mesmo com cultura da cana. A possível construção de barragens nos rios amazônicos (como, no momento, a barragem do Rio Madeira) e a construção de hidrovias são também uma ameaça terrível para os povos indígenas. Os índios têm tudo para nos recear, têm tudo para ter medo do que representamos para eles, mas, ao mesmo tempo, eles não perdem sua paz por causa disso. A espiritualidade deles, a sua concepção de que tudo é sagrado, de que a vida lhe será benéfica, é mais forte do que o medo. Representamos uma ameaça terrível para eles, mas eles não perdem sua paz por causa disso. É claro que, se forem invadidos, acontecerá o que já aconteceu com quase 1000 dos nossos 1200 povos indígenas, a sua cultura se desfaz, os seus valores se perdem, eles correm mesmo risco de extermínio. Nós temos uma dívida enorme com os índios. E como pagar essa dívida? Com muito amor, com muito cuidado, com muito respeito e preservando os povos que ainda existem.
O seu livro está à venda em Pará de Minas?
Sim, o livro pode ser encontrado na Livraria Virtual Books (Rua
Benedito Valadares, 560).
Qual a ligação que você tem com a nossa cidade?
Tenho uma grande ligação, gosto muito de Pará de Minas, tenho uma simpatia enorme por essa cidade. Tenho amigos aqui, um deles, em especial, é o Paulo Roberto dos Santos, autor do livro "Sítio do Vovô", um grande escritor. Ele escreve todas as quintas-feiras no Jornal Diário. A partir dele é que o "Tawé" está chegando a Pará de Minas. Outro grande amigo é o Urbano Medeiros, um músicofantástico e um ser humano maravilhoso. Sou professor em Belo Horizonte e tenho muitos ex-alunos que moram em Pará de Minas.
Como podemos mudar a visão das pessoas para a questão da destruição de nosso meio-ambiente?
Através da educação - no caso específico da Amzônia, conhecendoa região mais através de viagens, filmes, vídeos, leituras e depoimentos. Mas a Amazônia não está apenas lá longe, lá no norte do país, ela está também nas próprias cidades em que vivemos, nos rios que cortam nossas cidades, nas matas que nos circundam, está no nosso jardim, na nossa calçada e na nossa casa. Temos que cuidar muito bem dessa Amazônia que está à nossa volta. E temos que cuidar também da nossa Amazônia interior, do nosso amor, do nosso cuidado com o próximo, com os nossos semelhantes, com quem está sofrendo, com nós mesmos. Nossa cultura ocidental é marcada pelo egoísmo. Quem destróia a natureza o faz sempre em nome de interesses econômicos, financeiros, de posses, de propriedades, movidos por desejos egoístas. Os Mundurukus vivem o "ser" e não o "ter" e acho que precisamos de uma educação que nos ensine mais a ética do "ser". Gosto de uma frase que coloquei no livro, inspirada na maneira de viver dos Mundurukus e que define bem a diferença entre eles e nós: "sou um ser humano e não um ter humano".
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Tudo o que disse é uma mensagem, no sentido de procurarmos desenvolver relações saudáveis entre nós, relações de paz, de amor, de cuidado, de desenvolvermos uma civilização do ser e não do ter, pois quanto mais se tem, mais se quer ter e é por aí que se justifica a degradaçào do meio-ambiente, a invasão dos territórios indígenas, os desmatamentos e as guerras. Olhando para o modo de vida de Tawé e de seu povo e o cotejando com a nossa sociedade, penso que, se nào nos destruirmos pelas guerras e pela agressão ao nosso meio-ambiente, levaremos centenas ou milhares de anos para chegarmos ao ponto no qual se encontra hoje a ciilização Munduruku. Não se avalia o grau de desenvolvimento que atinge uma cultura apenas pelas conquistas materiais e tecnológicas que ela alcança. Não podemos avaliar que nossa cultura é superior à indígena porque desenvolvemos altas tecnologias, temos grande produtividade, etc. A cultura indígena tem a característica, como comentei, do amor, do cuidado com o próximo, com a natureza e com a vida, que nós não temos. Uma mensagem pode então ser essa: que possamos desenvolver uma sabedoria suficiente para preservarmos e cuidarmos bem da nossa vida, da nossa natureza e do nosso próximo. O povo indígena é um povo especial, guarda uma experiência maravilhosa e temos que fazer de tudo para preservá-lo - há um tesouro de sabedoria guardado com eles, uma fonte de água viva que tem muitos ensinamentos a nos oferecer.
(Diário de Pará de Minas - Pará de
Minas, MG - 19/04/08)
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